A judicialização da saúde no Brasil configura-se como um tema complexo e multifacetado, que desafia o sistema de saúde e as relações entre pacientes, médicos e o Poder Judiciário. De acordo com a pesquisa elaborada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), junto a outras instituições, atualmente, o Brasil possui 573.750 processos para um total de 562.206 médicos distribuídos no País. Ou seja, a média de processos por médico é de 1,02. Considerando a média por mil habitantes, o número é de 2,59.
Entre 2021 e 2022, houve aumento de 19% de processos sobre saúde. Já nos últimos nove anos, o aumento se divide entre a primeira instância, em que o número de processos de saúde subiu 198% e o de processos gerais caiu 6%; e segunda instância, em que a quantidade de processos de saúde cresceu 85% e a de processos gerais diminuiu 32%.
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O estudo também aponta que a Região Sul é a que possui o maior número de processos por mil habitantes, com 5,11. Em seguida, estão as Regiões Sudeste (3,12), Centro-Oeste (2,72), Nordeste (1,85) e a Norte (0,80). Quando se leva em conta os estados que concentram o maior número de processos, aparecem São Paulo (133.500), Rio Grande do Sul (83.710), Minas Gerais (50.520), Rio de Janeiro (33.750) e Bahia (27.330).
Por fim, quando se analisa as especialidades médicas com o maior número de processos no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao contrário do que o senso comum possa imaginar, Cirurgia Plástica ocupa apenas o terceiro lugar, com 7% dos processos, sendo que Ginecologia e Obstetrícia (42,60%) e Traumatologia e Ortopedia (15,91%) ocupam o primeiro e o segundo lugar, respectivamente.
Diversos fatores contribuem para essa situação: falta de acesso a medicamentos, dificuldades no acesso a especialistas e a serviços especializados e negativas de coberturas por planos de saúde. O presidente da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética), Raul Canal, ressalta que “a medicina é uma ciência complexa que demanda confiança mútua, diálogo aberto e colaboração para alcançar os melhores resultados de saúde. No entanto, quando essa relação é obscurecida pelo viés consumista, corre-se o risco de minar a confiança e a autonomia do médico, bem como comprometer a eficácia do tratamento”.
Canal ainda afirma que é preocupante observar o crescente fenômeno da judicialização da medicina no Brasil: “essa tendência não apenas sobrecarrega nosso sistema judiciário, mas também impacta negativamente a relação médico-paciente, que é primordial em qualquer atendimento. Isso se deve, principalmente, ao fato de que o paciente se tornou consumidor”.
Além disso, o presidente da Anadem reforça que é fundamental encontrar um equilíbrio entre o direito legítimo do paciente de buscar reparação em casos de suposto erro médico e a necessidade de preservar a autonomia e a integridade da prática médica. “O aumento dos processos por suposto erro médico impulsiona, também, a chamada medicina defensiva, na qual os profissionais de saúde adotam medidas excessivamente cautelosas, com solicitações de exames e procedimentos além do necessário”.
Por fim, Raul Canal alerta que esse aumento da demanda judicial sobrecarrega o sistema judiciário e impacta negativamente a gestão do SUS, desviando recursos de ações de saúde preventiva e atenção básica. “Essa prática sobrecarrega tanto o sistema de saúde público quanto o suplementar, ao aumentar os custos, comprometer a eficiência do atendimento e, por consequência, prejudicar a acessibilidade aos serviços de saúde”.